domingo, 12 de novembro de 2006

Velhice


Antigamente visto como ancião, como aquele que tudo sabe, como o melhor conselheiro, como o pai de todos, hoje o velho caíu no esquecimento...
Não falo daquele velho a jogar dominó em bancos de jardim, não falo desse... falo de todos os velhos que caiem no esquecimento do mundo... e que ficam sós...
Daqueles velhos que deram uma vida inteira pela família e que são abandonados, daqueles velhos que tiveram a infelicidade de ver morrer os filhos e ficaram sós, daqueles velhos que nunca conseguiram ou não quiseram constituir família e sempre viveram sós... Falo destes velhos e penso em nós os mais novos... Nós que não conseguimos ver para além do nosso tempo, que achamos que temos sempre razão, que a opinião de um velho não conta... “Está esclerosado” dizem alguns... “Já não diz coisa com coisa” dizem outros... Vejo a forma como são tratados, a falta de respeito que impera, como se fosse uma forma de afirmação... Não sou velha, mas sinto a velhice de perto. Graças a Deus sei que muitos também a sentem e que percebem a minha preocupação... Mas sei que somos uma minoria... Não será demasiado para uma pessoa aperceber-se da perda das suas capacidades, sentir-se dependente de alguém para continuar a viver, sentir o “será hoje que vou?”.... Não será isto já tão forte? Para quê o abandono, o isolamento, o desrespeito? Sei que a vida que hoje levamos não nos deixa muito espaço para cultivar o amor pelos avós, ou pelos pais, no caso dos nossos pais... sei que muitos não têm outra possibilidade que não seja um lar. Não recrimino, são vidas diferentes e muitas das vezes dificeis... mas o abandono, o desrespeito... não compreendo... e entristece-me demais.
O meu pai é velhinho, tem oitenta e seis anos, e é o meu ancião. Ele é daqueles que tem sorte por ter a família toda à volta dele... mas mesmo assim não se sente feliz porque sente que com a diminuição das suas capacidades é um entrave para todos de quem gosta...
Um dia, tinha eu oito anos, o meu pai teria sessenta e três, íamos a passear na rua de mão dada, quando tivemos de passar pelo meio de um grupo de jovens que estava a brincar com pedras. Ao passarmos pararam de atirar, até que uma rapariga gritou “Atirem pedras ao velho!!!”. Acho que foi a primeira vez que me lembro de sentir raiva! Parei, com lágrimas nos olhos ía virar-me para trás, mas o meu pai apertou-me a mão com força e disse-me baixinho “Sorri, anda em frente e não olhes para trás”... Mais tarde perguntei-lhe porque não me deixou virar... Sorriu na mesma e disse-me “de que te ía adiantar?”. Nunca me esqueci.
Uns anos mais tarde, teria o meu pai setenta e oito anos, vinha do escritório para casa todo elegantemente vestido, aliás como sempre, e caíu das escadas do metropolitano abaixo... uma enfiada de dez degraus.... caíu e estatelou-se no cais da estação... ninguém o ajudou... só depois de todos terem passado e de o cais ter ficado vazio é que o motorista de segurança do comboio (aquele que fica na cabine de trás) se apercebeu e o foi ajudar... o comboio não andou enquanto o meu pai não teve devida assistência... e não andou porque só o motorista se dignou a ajudar... Quando o meu pai chegou a casa todo negro e contou o que se tinha passado a chorar... chorei também... chorei pela indiferença para com o meu pai... chorei pela indiferença pelos velhos.

Ponho as mãos à cabeça e vejo que à medida que o tempo passa tudo está pior...
Pergunto-me se há qualquer coisa que eu possa fazer para mudar esta desevolução...


1 comentário:

  1. Claro que há!!!
    Ensina à tua Princesa que os mais velhos são sábios...
    Que contam histórias lindas...
    E que os Avós são as pessoas que mais a amam... Sim porque os avós são pais duas vezes, e pela lei de reciprocidade os netos são filhos 2 vezes (nunca tinha pensado nisto desta forma).
    Como já te disse, sei que não posso mudar o mundo à imagem da minha vontade, mas posso influenciar os meus Filhos e as pessoas Boas que me rodeiam.
    E não, não desisto de Mudar o Mundo!
    Bjs grandes

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