segunda-feira, 16 de abril de 2007

Senhor Papillon

Há uma pessoa que, mal amada por muitos, ainda hoje me desperta carinho e admiração. Já morreu, já aqui não está, mas frequentemente dou por mim a pensar nele. Figura elegante, de careca sempre a brilhar, com um papillon sempre diferente e exuberante desencaixado num fato de corte fino e low-profile. Figura sempre sorridente, mesmo que esse sorriso por vezes fosse um sorriso pepsodent. O cheiro? Como o sorriso, a dentrifico. Quem um dia na vida se cruzou com ele decerto que já o reconheceu... o Sr. Esteves. Amigo do meu pai dos tempos de Moçambique, proporcionou-me a mim e a muitos a experiência de um primeiro emprego pago. Fui para vendedora... que mal me dei eu... Mas não desistiu! Colocou-me nos projectos especiais e comecei a desflorar. O meu empenho e dedicação ao meu primeiro grande "bébé" mostraram-me que era capaz, ganhei confiança e pela primeira vez a palavra "iniciativa" tomou conta de mim. Projectos... Tantas ideias que começaram a surgir, projectos auspiciosos... Não me esqueço de um dia estar no gabinete dele, a falar-lhe das mil ideias que tinha e depois de me ouvir sempre com um sorriso disse-me "Sabes, sempre fui um sonhador como tu e nunca deitei ideias para o lixo. Guardo-as todas na gaveta, para um dia, quando precisar, as poder utilizar".
Mas um dia, num dos primeiros dias mais dificeis da minha vida, tive de entrar no gabinete dele para lhe dizer que me tinha de ir embora. Compreendeu, sabia que eu queria fazer um estágio em vez de apresentar uma tese, para terminar o curso. Saí, mas fiquei com a porta aberta para quando o estágio terminasse.
O estágio terminou e mudou a minha vida. Meses sem trabalho, um ou outro curriculum enviado e nada...
Um dia recebi duas propostas... Uma da empresa onde ainda hoje trabalho e outra do sr. Esteves para dirigir uma empresa dele. Senti que as duas hipóteses se resumiam ao que conhecia e ao que desconhecia e ao potencial de crescimento dentro da empresa... Optei pelo desconhecido, pela aventura e pelo potencial de crescimento. Dura decisão... noite terrível essa que antecedeu à conversa com o sr. Esteves, senti que lhe estava a falhar... mas era a minha vida, o meu futuro. Falei com ele, ficou desiludido mas aceitou redimido. Custou-me horrores e até há bem pouco tempo era um dos piores momentos da minha vida (que sorte, ahn?).
O tempo passou-se e lá continuei eu na minha nova e mini aventura desconhecida.
No dia do meu casamento o sr. Esteves e a mulher foram convidados e num abraço gigante ao meu pai disse - E imaginar que foi graças a uma amizade de 40 anos que juntámos estes dois -, deu-me um beijo de parabéns e sussurrou-me ao ouvido - Ainda estás satisfeita no teu trabalho? Espero que não te venhas a arrepender... -. Estranho... sempre me disse isso desde que preteri a oferta dele.
Passaram-se dois anos e fui com a pequena lua visitar o pai ao escritório. Paragem obrigatória... o gabinete do sr. Esteves. Não me esqueço desta imagem... O ar carinhoso e imbevecido a olhar para a bébé lua e depois o modo desajeitado e carinhoso a pegar nela. Não me esqueço... E sem palavras fizemos as pazes.
Num dia de Agosto, a empresa fechada para férias, todos os empregados espalhados pelo país, eu e a minha família no Algarve, com mais um amigo que ele tão bem conhecia, recebemos um telefonema. O sr. Esteves morreu. Fiquei atónita... Todo saudável, todo certinho... morreu... Não concebi e durante muito tempo me fez confusão. Fez-me falta.
Como hoje, tenho muitos dias em que me lembro dele. Já não de tristeza, mas agradecida por tudo o que me ensinou directa ou indirectamente. Penso muito nele e sempre com carinho. Sou sua incondicional defensora, quando ainda hoje se fala nos seus defeitos. Muitos é certo... Mas era um sonhador e um grande empreendedor. Deu a mão a muitos que depois lhe cuspiram de alto. Sim, a mim nunca me fez mal, sempre me mostrou muito carinho e acreditou sempre em mim.

Se um dia me vou arrepender? Não sei e nunca o saberei... O que na altura era desconhecido hoje conheço bem, a aventura deixou de o ser desde que a comecei a conhecer, o potencial de crescimento? Bem... nesta ponho a cabeça na areia e tento não pensar nisso... há coisas muito mais importantes...
A aventura de amanhã? É amanhã, é desconhecida... e o sr. Esteves é a maior prova disso.


Para um homem que admiro por tudo pelo que lutou e teve e por tudo o que quis e não obteve...

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