domingo, 11 de outubro de 2009

"As coincidências são a maneira de Deus se manter anónimo" Einstein

Aos incrédulos, aqueles que dizem que tudo não passa de coincidências, aos discrentes, aqueles que não conseguem nem querem ver que a vida tem pequenos e estranhos mas belos momentos, uma advertência.... Não leiam o que abaixo escrevo. É por conta em risco a vossa passagem de atestado de loucura à minha pessoa.

No ano passado, em Setembro fui de viagem para Trás-os-Montes com o objectivo de visitar a terra onde o meu pai nasceu e conhecer a terra dos meus avós paternos. Concretizei os dois objectivos, mas falharam-me outros dois. Reconhecer-me na terra dos meus bizavós, que ao invés de me darem paz me deixaram confusa e triste e descobrir a casa onde o meu pai nasceu, que ele próprio por ter vindo para Lisboa apenas com um mês de idade, e por não ter nascido na sua casa mas sim numa casa de familiares, nunca conheceu.
Chegada de viagem, provavelmente umas duas semanas depois de ter estado em Murça (a terra Natal do meu pai), insatisfeita naveguei na internet à procura de algo que me desse uma pista. Nas minhas pesquisas encontrei um senhor, estudioso de história transmontana e duriense, que referia num dos seus estudos que um tronco da sua família era de Murça e coincidentemente um outro tronco cruzava com um meu, logo seríamos de alguma forma primos muito distantes. Levei algum tempo a arranjar coragem para meter conversa com este senhor que desconhecia, mas por fim meti a timidez para trás das costas e escrevi-lhe um email a expor toda a situação e complicada história da minha família e a pedir-lhe uma qualquer sugestão ou dica sobre o possível conhecimento de uma casa de família em Murça. Passado um dia respondeu-me dando indicações de como fazer pesquisas genealógicas e onde deveria procurar informações. Confesso que na altura fiquei um pouco aborrecida, por me ter respondido num tom condescendente, como se eu nunca tivesse feito qualquer pesquisa, como se eu fosse uma principiante nestas lides. Não respondi, não agradeci o seu email. Mas uma semana passada, voltou a responder-me a contar que tinha exposto o meu email em conversa com a sua mãe e que ela lhe teria dito que se lembrava de uma família Ribeiro em Murça cuja casa havia sido entretanto vendida e que actualmente era pertença de um senhor, para o qual me deu o nome. Dessa vez agradeci, e disse-lhe que se tivesse sucesso na minha investigação lhe escreveria a dar conta das novidades.

Muita coisa se passou entretanto. Saí da empresa que havia sido a minha casa durante anos. Afastei-me de amigos com quem convivia diariamente. Entrei numa nova empresa. Comecei de novo. Reencontrei amigos. Conheci novos. Chegou a Maio e todo os momentos passados no ano passado começaram a repetir-se nos mesmos momentos, no mesmo tipo de situações, ciclicamente. E à semelhança do ano passado, em que a viagem a Trás-os-Montes me abriu os olhos, a minha mãe ao ver-me a dar um loop e ficar de cabeça para baixo, virou-se para mim no final de Agosto e disse-me: "Queres ir a Trás-os-Montes? No ano passado fez-te bem...".

Em Setembro fui às páginas amarelas na Internet à procura do email do actual proprietário da suposta casa onde teria nascido o meu pai. Suposta, porque a dica poderia ser incorrecta. Mesmo sendo a casa referida da família Ribeiro, poderia ser de uma família Ribeiro diferente. Da mesma forma que escrevi ao estudioso no ano passado, escrevi ao dono da casa um email a expor toda a situação e a informar que planeava uma visita a Murça no início de Outubro. Não obtive qualquer resposta.

A seis de outubro meti-me no meu pequeno carro com a minha mãe e a minha filha e fomos para Trás-os-Montes debaixo de chuva. Um tempo horrível num percurso longo e numa estrada que com chuva se torna assustadora, o IP4, pelo meio da Serra do Marão. Mas os anjinhos ajudaram e chegámos a Mirandela ilesas e sem qualquer tropelia pelo caminho, apenas cansaço.

No dia seguinte, o tempo amainou e fomos a Murça. Disse à minha mãe que queria fazer um reconhecimento à volta dos supostos limites antigos da vila de Murça de carro, antes de nos pormos a andar a pé por todas as ruas sem destino. Lembrava-me claramente dum sonho que tinha tido pouco depois do meu pai falecer onde o meu pai estaria sentado, velhinho, numa cadeira de verga antiga, de costas para as janelas que davam para um campo que se elevava atrás. O sol punha-se do lado direito da janela. O médico, daqueles à antiga que iam a casa de maleta preta, entrava por uma porta junto à janela, como se a entrada da casa ou pelo menos daquela divisão fosse feita por um terraço. Recordava-me dum apontamento de um irmão do meu pai que referia que o meu pai tinha nascido na casa dos tios Ribeiro, com casa e lavoura.
Démos a volta a Murça antiga e entrámos numa rua estreita onde uma camioneta estava a descarregar barris de cerveja. Perguntei ao senhor se saberia onde era a Rua da Independência (havia procurado a morada o suposto actual dono da casa nas páginas amarelas). Ele riu-se e disse-me que estava mesmo à minha frente. Perguntei-lhe se saberia onde era a casa do senhor X e ele riu-se... Apontou e disse "Está a ver aquele terreno baldio? É ali. A casa foi demolida no ano passado". Perguntei-lhe se o senhor X estaria em Murça e ele respondeu-me "Acho que não está. E não sei em que dia volta". Agradecemos e fomos a pé até ao terreno que nos tinha indicado. A frontaria daria para a rua onde estávamos, mas o final do terreno era elevado à altura de dois andares. À nossa frente depois do terreno vazio tínhamos um morro em planalto com uma abertura no meio, como se fosse um caminho para subir e no topo do morro do lado esquerdo um poço. A entrada da casa ao lado tinha umas escadas a céu aberto e subimos. O morro nas traseiras da casa era uma enorme vinha e o sol, pela sua localização, poria-se do lado direito. Fiquei apreensiva. Não tinha certezas, não queria pensar que já tinha encontrado sem confirmação. Voltava à carga que podia e era bem provável a existência de mais uma família Ribeiro.

Fomos à câmara à secção de obras e pedimos informação. Soubemos tudo aquilo que já sabíamos. Que tinha sido demolida no ano em que o meu pai faleceu e que o dono era a pessoa que nos disseram que seria.

Fui à Conservatória, mandaram-me para as finanças, já que sem o artigo matricial não me podiam dizer nada. Nas finanças, estranharam por muito que lhes explicasse o objectivo das minhas perguntas. Não acreditavam que era uma procura sentimental. Mas depois de eu começar a vergar, quase com lágrimas nos olhos a dizer que queria encontrar a casa onde o meu pai nascera, que ele próprio não sabia onde era, já que tinha nascido e vindo logo para Lisboa. Só depois disso e de eu própria me aperceber que eu tinha o interesse que o meu pai nunca tinha tido, de procurar a sua origem, e depois de dizer ao senhor das finanças com uma lágrima ao canto do olho que o meu pai é como um Deus para mim é que me começaram a olhar de uma forma diferente. Levaram-me de imediato para a sala de arquivo e começaram a mexer nos livros mais antigos. Mais uma vez, o que descobrimos não foi diferente do que já sabia. Que a casa era do senhor X, e que havia sido do seu padrinho antes. Mas lá me deram o número do artigo para ir à conservatória e foram almoçar. Chegada à conservatória a mesma coisa... A senhora com pouca paciência, a resposta igual à das finanças e eu cada vez mais desanimada por não conseguir confirmar no papel as fontes e com o senhor X fora de Murça por tempo indeterminado.

Fui ter com a minha pequena e a minha mãe ao parque infantil e resolvemos ir almoçar ao mesmo restaurante onde nós as três (avó, filha e neta) havíamos comido no ano passado. Chegámos sentámo-nos, pedimos a refeição e a dado momento a dona veio ter connosco a perguntar-nos se já lá tínhamos estado. Respondemos que sim e ela disse que se lembrava bem de nós do ano passado, por sermos avó, filha e neta e que a filha dela se lembrava de me ver a conversar com o marido que era professor a dar-me indicações para uma terra chamada Vales. Giro... Perguntou-nos o motivo da visita e explicámos-lhe. Quando lhe falámos do senhor X, ela referiu que ele almoçava naquele restaurante todos os dias, mas que estava para fora, como já nos tinham informado. Continuámos a almoçar e a senhora voltou pouco depois toda contente a dizer que estranhamente o senhor X estava em Murça, o que não era habitual naqueles dias, e que tinha acabado de entrar no restaurante. Uau...

A minha mãe que estava de frente para a entrada disse-me que a viu a falar com ele enquanto eu arranjava coragem para ir meter conversa com o senhor que não me tinha respondido ao meu email, que estava todo bem vestido, que falava alto com os companheiros de mesa sobre política e que pior que tudo, estava a almoçar. Arg! Guerra interior entre concretizar um objectivo e boa educação. Entretanto a minha filha já tinha acabado de almoçar e brincava no computador com a neta da dona do restaurante. Levantei-me e fui para ao pé delas o que me punha numa posição priveligiada sobre a mesa do senhor X. Lá arranjei coragem e cheia de pedidos de desculpa pela interrupção disse-lhe: "Não sei se sabe quem eu sou, mas eu escrevi-lhe um email". Olhou de baixo para cima para mim ao mesmo tempo que limpava os lábios com o guardanapo de pano e disse-me "Sei perfeitamente. Peço desculpa não lhe ter respondido mas não tive tempo". Já nem me lembro bem, mas começou de imediato a falar da casa demolida, a dizer que tinha nascido lá e que a casa lhe tinha chegado à sua posse, por intermédio do seu padrinho que a haveria comprado à família Ribeiro no final dos anos trinta. Disse ainda que a casa tinha sido no Dom Diogo de Murça, cujo brasão, em pedra de altura de quase um metro, havia doado à Escola Secundária de Murça antes da demolição da casa. Mas houve uma altura em que os meus olhos brilharam, em que me senti como uma menina que acaba ver o pai natal a colocar os presentes junto à árvore. O senhor X contava a história da casa e disse: "E sabe quem nasceu naquela casa também? O Fernando Vaz, o grande treinador de futebol do Sporting. Mas, não deve saber quem é, já não é da sua época...". Resposta? O brilho dos meus olhos, a grande confirmação de que aquela era A Casa. O Fernando Vaz, muito embora muito mais velho, aliás, faleceu nos anos 80, era, dada a intrincada história da minha família, meu primo direito, filho da irmã mais velha do meu pai.

O Senhor X, muito simpático, e já nada assustador nesta altura, ofereceu-se para nos acompanhar ao terreno da casa e oferecer-nos uma visita guiada. Lá fomos, depois de o deixarmos terminar calmamente o seu almoço, na visita à terra que passei a ver de uma forma descansada e feliz e não apreensiva como a havia visto na nossa primeira passagem. Falou-nos das capelas que haviam existido, da sala de espectáculos que o terreno tinha, mostrou-nos a grande vinha, cuidada. Perguntei-lhe se a casa tinha um terraço, acenou com a cabeça em sinal de sim. Perguntei-lhe o que ia ali fazer, disse que ia reconstruir tudo como de origem, manter o terraço com vista para a vinha já que lhe trazia muitas recordações de infância. Sorri...

No caminho de volta, enquanto o Senhor X e a minha mãe engraxavam os sapatos, na sapataria da rua em frente eu e a miúda de All Star metemo-nos de novo no terreno à procura de pedras. Fui para o monte de entulho de pedras do que restava da casa, encontrei xisto, a pequenita encontrou um quartzo e saímos contentes da lama com as nossas pedras para levarmos para casa, como um marco, como uma recordação de um objectivo cumprido, o de encontrarmos a sua casa.

Depois de nos despedir-mos do senhor X, ainda fomos à escola secundária ver (e fotografar) o brasão e depois metemo-nos à estrada.

No caminho para o hotel e ainda agora enquanto escrevo, penso... Se não tivessemos ido a Murça no ano passado, não tínhamos conhecido a dona do Restaurante. Se a minha tia não tivesse adoecido no ano passado, não teríamos ido almoçar só as três e a senhora não se lembraria de nós. Se não tivesse escrito um email há um ano atrás, não saberia de quem era a casa. Se não tivesse feito uma volta à vila, não tinha encontrado o senhor da camioneta de cerveja. Teria ido logo directa à conservatória onde seriam ainda mais evasivos do que foram. E porque é que o Senhor X afinal estava em Murça quando não deveria estar? Não perguntei... Mas acredito do fundo do coração que todos lá em cima estavam a ajudar e que este dia não iria acabar sem a casa encontrar. E da mesma forma que sonhei e interpretei o sonho como o fim da vida do meu pai no seu começo, no berço, acredito que teria de encontrar mais cedo ou mais tarde a casa que ele não tinha procurado. Senti paz.


P.S. Obrigada EV pela coincidência da citação ;)

4 comentários:

  1. :) adoro te ...estou mega feliz por ti lua do meu coração :)

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  2. você sabe transmitir a emoção para os escritos de uma forma tão natural, tão íntima, que é como se nós estivéssemos a escrever, e não a ler...
    estou feliz por sua felicidade.

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  3. UAU!!
    Que linda história que bem escrita. Li e reli porque momentos assim em ti me revi e com este texto tambem o vivi.
    Espectáculo.

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  4. Adorei! A persistência é uma virtude que poucos têm... Tu tem-la toda e mais alguma e depois as coisas acontecem, e se os que nos guardam nos ajudarem (porque merecemos!) então tudo fica ainda mais fácil!
    Beijo grande e continua!

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