quarta-feira, 10 de setembro de 2008

É aqui!

A descer uma estreita estrada, curva após curva e no meio do nada, avisto umas casas pequenas ao fundo de um vale e do meu lado esquerdo pelo meio da vegetação começa a surgir o primeiro jazigo antigo que vi em toda esta viagem de regresso às terras dos meus antepassados. Um cemitério onde algo em mim me fez parar de imediato o carro, mesmo antes de visitar Navalho. Não sei em quanto tempo me pus à sua frente, mas para mim foi num ápice. Em segundos estava de frente para o jazigo e olhei para a única campa antiga que estava ao seu lado. Sorri de felicidade. A minha mãe ainda a entrar no cemitério perguntou-me se tinha encontrado alguma coisa. Respondi-lhe provavelmente com o sorriso mais feliz do mundo “Está aqui!”. Conhecemos a Tia Maria com quem logo fizemos amizade. Não era natural do Navalho. Contou-nos que depois de vir de Angola foi viver com o marido para ali e mesmo depois da sua morte, no ano passado, por lá continuava. Senhora doce, sozinha e pronta a ajudar qualquer um que lá passe. Disse-nos que nos ía apresentar à senhora mais velha da aldeia, de 94 anos, que nos poderia dar algumas informações para encontrar as casas de família dos meus avós. A minha mãe e tia levaram-na de carro até à aldeia e eu fui sozinha a pé.


Não sei explicar todo esse caminho até chegar à entrada da aldeia. Desci sorrindo, imaginei os meus avós ainda muito jovens, sem saberem o que o futuro lhes reservava a encontrarem-se naquele caminho e a percorrerem-no. Não vi as suas faces, as suas vestes, mas achei-os elegantes e sobretudo sei, tenho a certeza, que sorriam. Pela primeira vez e depois de ter visitado tantas aldeias, senti-me a chegar a casa, absorvida por tudo o que me rodeava.

Nem a visita a Murça, local onde o meu pai nasceu por acaso e onde por lá esteve apenas um mês de toda a sua vida, me fez sentir assim. Em Navalho nasceu a grande maioria dos meus avós, bizavós, trizavós, tetravós e sabe lá quem mais…

Sabia pelos assentos de nascimento que o meu avô tinha nascido na Rua da Igreja e a minha avó naquilo que interpretei como Rua da Farinha. A Rua da Igreja era a rua principal e de Rua da Farinha não havia qualquer sinal. Não poderia saber quais seriam as casas. A Tia Maria, senhora de 78 anos, levou-nos a percorrer toda a aldeia que ao caminhar era bem mais extensa que aquilo que se previa do cimo do vale. Mostrou-nos a aldeia, contou-nos algumas histórias e no final da rua desemboquei numa linda e arrebatadora vista do vale.



De volta para trás a caminho de casa da Dona Carlota, a senhora mais velha da aldeia, passámos por uma rua chamada da Terrincha e prendi-me ali. Só poderia ser ali. Mas qual casa? Mais tarde em conversa com a Dona Carlota perguntei-lhe pelos apelidos dos meus avós e ela explicou à Dona Maria quais eram as casas, que há muito não eram da família, mas que se lembrava de ouvir falar que lá viveram durante muitos anos. Fomos vê-las… [não consigo deixar de sorrir enquanto escrevo isto] A casa da minha avó, como a Dona Carlota dizia era na Rua da Terrincha, no cruzamento com a Rua da Igreja, e a casa do meu avô, na Rua da Igreja mesmo em frente do cruzamento com a Rua da Terrincha, virada para a casa da minha avó. Ambas estão abandonadas, uma delas (a do meu avô) em obras de restauro, mas são as casas dos meus avós.

Casa da minha avó

Casa do meu avô

Casa da minha avó virada para o portão da casa do meu avô



A Dona Maria convidou-nos para sua casa, para comer do seu presunto e queijo de ovelha. Sozinha, senti-a feliz, com os olhos brilhantes de lágrimas, por estar acompanhada, por ter com quem falar. Contou-nos da sua vida e fez tudo, no meio da sua casa pobre, para nos agradar. Pedi-lhe a morada e prometi-lhe que lhe escrevia e lhe enviava fotografias da nossa visita. Metemo-nos à estrada não sem antes nos despedirmos imensas vezes da Dona Maria. Ainda não tinha saído dali e já estava com saudades. Já a subir o vale, depois de passarmos pelo cemitério quis parar para fotografar a imagem do caminho que me havia preenchido. Voltei debaixo de um sol intenso que queimava, toquei na terra e agarrei na pedra mais brilhante que encontrei.
Sem o dizer sei que pensei que um dia ainda ali voltarei. Até lá, guardo a pequena pedrinha em troca do pedaço de coração que lá deixei ficar.


Curiosidades: Chegada ao hotel agarrei no portátil e fui ler de novo o assento de nascimento da minha avó. É Rua da Terrincha, sem tirar nem por. Eu e a minha mãe agarrámos felizes no braço uma da outra como se acabássemos de tirar a última teima daquilo que já havíamos sentido.
Nota: Nunca conheci os meus avós paternos. Se hoje fossem vivos teriam 133 e 131 anos. Esta caminhada foi por mim, para o meu lindo pai e para eles.

2 comentários:

  1. :) pois vale mais que milhões de palavras ....

    Beijo de eterno azul
    Lua do Meu coração

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  2. Gomes,Gomes, Gomes, mil vezes Gomes. Como podemos conhecer tão bem o que é de nossos corações. As fotos são espantosas e na paisagem ficam nossas emoções. Bigadinha Lua minha

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